sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Heresia ou loucura: as representações da imagem do homem nas cenas do juízo final na Idade Média e no Renascimento.

Davi Querino da Silva

Universidade Federal da Paraíba

Resumo
Este artigo tem por objetivos situar e discutir as definições e questões que envolvem a noção imagética e idealística no cenário da Idade Média e a concepção de Juízo Final.  Possibilitando um novo dialogo acerca das  imagens representadas do Juízo  Final da Idade Média e dos renascentistas. A Idade Média em geral suas temáticas priorizam  a imposição dogmática através da imagem do pecado e do medo, uma vez que nada mais deveria ter importância na terra  a não ser a figura do cristo. O Renascimento se contrapõe por valorizar a razão em detrimento a religião, acredita-se na ciência e o homem como centro do universo. Procurou-se fazer uma relação entre “heresia” ou loucura nesses períodos e supostamente nas representações das cenas do juízo final medieval e/ou renascentista.
Palavras-chave: Historia da Arte, juízo final  e loucura.


Abstract

This article aims to locate and discuss the definitions and issues surrounding the notion imagery and idealistic scenario in the Middle Ages and the design of Judgement. Enabling a new dialogue about the images depicted the Last Judgement of the Middle Ages and the Renaissance. The Middle Ages generally prioritize their issues through the imposition of dogmatic image of sin and fear, since nothing else on earth should it matter unless the figure of Christ. The Renaissance is opposed to value reason over religion, we believe in science and man as the center of the universe. We tried to make a connection between "heresy or madness during these periods and supposedly the representations of scenes from medieval doom and / or Renaissance.

Keywords: Art History, doom and madness

1. Introdução

Este artigo tem por objetivos situar e discutir as questões que envolvem a noção imagética e idealística da Idade Média. Partindo do conceito do que foi a Idade Média e qual a função da arte nesse período e no Renascimento. A Idade Média caracteriza-se pela ascensão da igreja católica, pela crença em um único Deus criador do céu e da terra,  e pela concepção do pecado original dentre outras.
O modo ou a forma como os artistas trataram os temas ou assuntos ligados a arte e a igreja serão diferentes em ambos os períodos, para arte medieval era importante a imposição dos dogmas da igreja, para os renascentistas era o culto a figura do homem como belo ou com expressão de uma visão espiritual.
As características da Idade Média são: o Teocentrismo,  economia de subsistência ,  a divisão da sociedade em três classes: o clero, a nobreza e os camponeses, essa situação de hierarquia era estática. Procurou-se discutir  as questões que envolviam “o processo do fazer artístico”, valorizando as noções dogmáticas da igreja, a concepção de Juízo Final  influencia na relação com o mundo humano ao divino e vice-versa, diferente do renascimento que priorizou-se a figura do homem como centro do universo.
Pode-se perceber que as formas como serão representadas as figuras no juízo final da arte medieval e dos renascentistas são divergentes, por varias situações, como por exemplo, o contexto histórico, social e cultura de ambos os períodos.












2. A Idade Media e o Renascimento.

         Existem várias definições para o termo Idade Média, alguns historiadores chamam de idade das trevas por talvez acreditar  não haver avanço cientifico no período em que a igreja católica controlava toda informação, ou supostamente pelas características de perseguições aos hereges e o culto na crença que tudo é pecado, a idéia do pecado original, do juízo final ou ainda por ser um período que situa-se entre a antiguidade clássica  e o renascimento italiano.( Janson, 1996).
         A Idade Média é um imenso intervalo de tempo entre a Antigüidade Clássica e a Idade Moderna ou modernidade. Alguns historiadores situam seu início entre o ataque dos bárbaros a Roma, após a morte de Teodósio (395 d.C.) e a tomada de Roma por Alarico (410 d.C.) ela termina em torno de 1453, ano da tomada de Constantinopla pelos turcos.
Nesse período, sob a influência do cristianismo, acreditava-se que o mundo era um todo organizado de acordo com os desígnios de Deus. Por isso, tudo e todos obedeciam à ordem divina. Os insanos, assim como os retardados e os miseráveis, eram considerados parte da sociedade e o principal alvo da caridade dos mais abastados, que assim procuravam expiar seus pecados[1].

            Contribuíram para o surgimento da Idade Média, a ascensão da igreja católica e o Teocentrismo, a sociedade era eminentemente rural com as pessoas residindo em feudos, comercio frágil etc. Hierarquicamente está dividida em três camadas sociais: o clero, nobreza, e os camponeses ( servos).
            Com a queda de Roma  e ascensão do poder da Igreja Católica na Idade Média o culto ao belo passou ao culto a figura do cristo, enfocando nos cristões, a idéia de salvação e vida eterna. Enquanto para os egípcios a arte era voltada para uma vida após a morte, na Idade Média, mesmo crendo na possibilidade de uma visa pós morte, a arte era centrada na imposição dos dogmas da igreja como forma de ensinamento e doutrina.
Não havia  necessidade em representar de forma realista  o mundo, e foram proibidas o culto a algumas imagens,   como por exemplos  os nus muito cultuados pelos greco-romanos.A arte medieval  fugia dos padrões clássicos e talvez por essa e outras razões passou a ser vista como algo grosseiro, daí mais tarde  se   chamara de gótica ou mesmo  bárbara.
A pintura se desenvolveu mais como afresco ou nas iluminuras durante a arte medieval, era comum as representações de cenas bíblicas em mosaicos e tapeçarias.  A escultura era incorporada a arquitetura como se ambas fizessem parte do mesmo espaço.
Na Idade Média era comum  grandes edificações  em detrimento do grande número de guerras ocorridas nessa época, as construções tinha como fim a proteção dos reis e senhores feudais, suas famílias e bens, contra ameaças ou conflitos.  os castelos também serviam de pontos estratégicos na conquista de novos territórios. Palácios e igrejas em algumas situações eram construções monumentais, tudo como formar de demonstrar o controle diante da sociedade, dentre as estratégias usadas nesse período estava a santa inquisição.
Ficou conhecido como santa inquisição um poderoso instrumento em que a igreja católica utilizou-se como forma de punição aos hereges. Naquela época, praticamente tudo simbolizava pecado, logo os fies iam se confessar e conseqüentemente cada confissão implicava em pagamento de indulgencia a igreja, essas e outras façanhas foram primordiais para o enriquecimento da igreja e sua expansão do poder. No contexto artístico, toda arte estava a serviço da divindade centrada na figura do cristo ou de um Deus único o qual dominaria todo o mundo, não  caia sequer uma folha se não fosse vontade dele, o chamado Teocentrismo.
            Com o Cristianismo a história se torna linear: há um ponto de partida (gênese), um de inflexão (encarnação) e um de chegada (juízo final). Portanto, linear, mas não ao infinito, pois há um tempo que só Deus conhece limitando o desenrolar da passagem humana.[2]
            O Renascimento foi movimento artístico e cultural que surgiu na Itália nos finais da Idade Média, retomando os princípios da antiguidade clássica. Características renascentistas: humanismo, antropocentrismo ( o homem é considerado o centro do universo) em contraposição ao Teocentrismo,  valorização da razão e cientificismo.



3. A relação entre heresia e loucura

            Na Idade Média a relação entre heresia[3] e loucura não andava muito distante, apesar da igreja não considerar a figura do doente mental totalmente como herege, esse era visto como lunático, bobo, ou comumente como alguém que estava possuído pelo  diabo. Eram comuns os rituais de exorcismo e ainda de castigos a algumas dessas figuras. É provável que a medicina não reconhecesse a loucura como uma doença mental, já a igreja via apenas como um ser bastardo e anormal, o qual recebeu um castigo de Deus por algum pecado que ele ou alguém da família tenha cometido.
            Não se tem conhecimento quanto à representação dos doentes mentais ou loucos na arte da Idade Média. Porém as cenas do juízo final representam figuras bizarras e muitos possuídos por maus espíritos, em algumas situações a figura do louco pode aparecer de forma implícita pela idéia de loucura poder ser considerada com uma forte perturbação mental e não seria difícil em meio a tantas regras e imposições impostas pelo teor religioso e a crença na ardência no fogaréu  do inferno. Deve-se considerar que as pressões causadas nesse período aos fies, seriam suficientes para ocasionar sérios danos psicológicos.
            A figura humana não é vista com auto-suficiente, capaz de resolver seus problemas, cabia ao Deus encarrega-se dessa tarefa. Sendo assim, quem não conseguisse viver conforme seus desígnios,  estaria condenado a tal julgamento.
            A Inquisição reconhecia a loucura como uma doença que afetava diretamente os “miolos”, os inquisidores não afirmavam que se tratava exclusivamente de heresia. Este parecer não diferia muito do conceito popular com respeito aos doidos, nem tão pouco dos médicos que nesta época praticamente desconheciam doenças mentais.[4]
            A face da loucura na Idade Média estava entrelaçada no ambito da ira, de um ser possuido por magoas ,e revoltas.
Segundo  Alberto:

No período medieval , com frequencia ira e loucura aparecem associadas. Atos descontrolados, onde a colera toma conta do ser, de bravura furiosa,insanos pode ser relacionados a loucura por seu carater de afastamento da razão. Em contraponto, o louco , frenético ,possuido,furioso ,pelas suas ações e tomado de acessos de ira. Locura e ira são, portanto, muito proximas, e pela ambiguidade concernente a ambas,por suas varias  caracteristicas semelhantes, as fronteiras entre elas nunca estiveram claramente delineadas.[5]

            Acerca da representação da imagem do homem nas cenas do Juízo Final Hieronymus Bosch foi um dos artistas que pintou fantasticamente essa cena nos fins da Idade Média. Posteriormente no período renascentista, Michelangelo faz as cenas do juízo final na Capela Sistina. A própria noção de juízo refere-se a bom senso, cautela, ponderação, prudência e outras significâncias. Esses sinônimos da palavra juízo, são antônimos do conceito de louco, ou seja,de um individuo da não razão e “desajuizado”.
            No período renascentista a loucura passa a ser associada à razão. De acordo com CARBANEZE:
O Louco no Renascimento é representado pelo homem que erra de cidade em cidade, navegando na nau dos loucos em relação direta com a sabedoria e a verdade. O autor cita  foucault que inferi: “ ( ) confiar o louco aos marinheiros era com certeza evitar que ele ficasse vagando indefinitivamente sobre os muros da cidade, é ter a certeza de que irá para longe, é torna-lo prisioneiro de sua própria loucura.” ( Foucault, 1978, p.11-12)[6]
     










4. A incorporação das imagens do juízo final aos templos e igrejas medievais e no renascimento.

            As cenas do Apocalipse e do Juízo Final era uma verdadeira persuasão imagética acerca do inferno que estaria por vir. A idéia seria que Deus castigaria os hereges e os que estivessem em pecado, quando chegasse o fim dos tempos. Por isso as cenas eram postas nas igrejas como uma forma de impor medo aos fies. Era um mundo agonizante o mundo do inferno, repleto de figuras maléficas, com espetos ou garfos nas mãos, prontos para apunhalar qualquer um que não vivesse condizente com as leis divinas.
         Na visão apocalíptica do Juízo final [C.f. infra figura1], mostra de modo expressivo e dramático o interrogatório das almas. Perceber-se que os mortos saem de seus túmulos amedrontados, são atacados por serpentes e bichos estranhos. As figuras são deformadas com o intuito de enfatizar o drama, a sensação de horror e angustia diante do julgamento.

                       
                                             Figura 1: juízo Final ( detalhe) – Catedral  de Autum
                                             Fonte: http://hae2.blogspot.com/2008_03_01_archive.html

Sobre a figura [ C.f. ultra, fig.1] Janson ( 2005) escreve:

O pormenor da gravura do juízo final da catedral de Autum
 mostra parte da metade direita do tímpano, com a pesagem das almas. Em baixo os mortos erguem-se das sepulturas , tremendo de medo ; alguns estão a ser atacados por serpentes ou apanhados por  mãos enormes que parecem garras. Na parte central, a sorte de cada um pende literalmente da balança, com os demônios  puxando para um dos pratos enquanto os anjos puxam do outro. As almas eleitas, agarram-se  como crianças às vestes do anjo, buscando protecção, ao passo que os condenados não escapam aos diabos de presas agudas que os atiram para a boca do inferno. (Janson, 2005, pag. 291).

            Acreditava-se que toda alma possuía um peso, poderia variar de acordo com cada pecado. A balança servia para medir, como enquadramento, e o peso do certo ou errado.
            As almas que pesassem mais que o permitido pela balança, arderia no fogo com enxofre nas profundezas do abismo. Sendo então um cenário perfeito, que se usaria como formar de amedrontar as pessoas. Esse modo de representação foi viável devido aos aspectos sociais e culturais da época, o intuito seria de um feitio de dominação social.
            As cenas do juízo final apresentadas por Fran Angélico [ C.f. infra figura 2 ], é algo totalmente voltado para o universo sobrenatural, no plano divino encontra-se Deus reunido com as figuras angelicais, no plano das almas perdidas encontra-se uma batalha pelas conquistas das almas.



                              
                                     Figura 2: Juízo Final- Fra Angelico
                                     Fonte: http://dimensaoestetica.blogspot.com/2009_07_01_archive.html


            O Juízo Final representado por Michelangelo [C.f. infra, figura 3] foi inspirado nas narrativas bíblicas.
            O Juízo Final de Michelangelo seria uma reação a crise social e cultural que atingia aquele momento. A temática trata de um dogma cristão, discute o drama  humano em um momento de  insegurança, e incerteza, quando o homem deixa de apenas ser visto como o centro do universo, tendo assim fazer um equilíbrio entre o mundo humano e o divino. Seria então a demonstração de instabilidade política e religiosa ocasionada pela  reforma.
             Diferente do Juízo Final da Idade Média, em Michelangelo no Renascimento a ênfase é a beleza física inspiradas nos greco-romanos, e  a utilização do corpo humano como expressão de uma idéia espiritual.
            A composição é aparentemente harmônica, não no sentido de unicidade e estabilidade estética, mas com vários personagens em situações dramáticas e agonizantes. São enfatizadas as figuras com formas de volumes e escultóricas.
            Enquanto nas cenas do Juízo final da Idade Média enfatiza-se a deformação da figura para expressar dor, sofrimento e os personagens sempre como se estivessem em outro ambiente diferente do mundo real.
             No renascimento Michelangelo dar ênfase nas figuras e as põem em ambiente terreno ou com aparência natural. Pois no Renascimento prioriza-se a razão em detrimento da emoção religiosa, antepõe-se a figura do Deus como centro do universo passado essa função ao homem. O homem pode influir em seu próprio destino, sem  necessariamente considerar  os “fatos” supostamente impostos pela divindade.
                                  
                                   
                                          Figura 3: Juízo Final- Michelangelo
                                         Fonte:http://casoseacasosdavida.blogspot.com/2009/07/michelangelo-1475-1564.html

            É importante ressaltar que a concepção de juízo final e de purgatório é vista de forma diferente pelas várias religiões. No entanto, aqui tratamos do cristianismo durante a Idade Média e no “Renascimento.”
            É perceptível a função da arte em cada período da historia da humanidade, influenciando toda relação, cultural, política, econômica e religiosa.
        


































5. Considerações finais

            Ao introduzirmos o panorama histórico e artístico acerca das representações  das imagens no cenário do Juízo Final medieval e renascentista, percebeu-se que houve uma divergência na forma de aparecimento das figuras e em torno do conceito. É entendível que houve aspecto da expressão da loucura de forma implícita, apenas como um resquício.
           Apesar destas diferentes concepções que envolvem o cenário idealístico e imagético acerca das imagens representadas no juízo Final da Idade Média e do Renascimento. As relações entre heresia e loucura, seria um possível aparecimento no âmbito do cenário do Juízo final, de maneira geral, é provável essa ligação.
            A imagem do homem irá se diferenciar nos dois períodos, conseqüentemente a maneira perceptiva sobre o conceito da loucura também será antagônica. Mas a relação de preconceito com os loucos acontecera em ambos.
            Essas imagens são carregadas de símbolos e signos, e houve uma intenção em cada proposta Quando se fala em signos, deve-se lembrar que toda imagem é carregada de signos, e para desvendá-la é  necessário a tentativa do que significa, saber o que significa é conhecer o signo, é desnudá-lo.
            A sociedade medieval se norteia pelo Teocentrismo e a renascentista na concepção do antropocentrismo. Toda via na historia da humanidade, a relação entre arte e sociedade se dará de maneiras diferentes, sendo relevante entender a função da arte em cada período  para melhor perceber  a vida.














6. Referências

ALBERTO, Rodrigo Moraes. A ira insana e loucura furiosa no ocidente medieval. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/9860/5714, acesso em 20.06.2010

A loucura na idade média. Disponível em: http://estevamhp.sites.uol.com.br/atua/WINDOWS/Desktop/teste/enfermagem/museu/im.htm, acesso em 22.06.2010

CARTARIN, Cristiano. Heresia ou loucura. Disponível em: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=759, acesso em 22.
06.2010.

CARBANEZI, Elton Roberto. A episteme ( des) silenciadora da loucura. Disponivel em: http://www.observatoriodeseguranca.org/files/monografia_pdf.pdf, acesso em 28.06.2010.

JANSON, H.W/  JANSON, Antony F. Iniciação à história da arte. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.

JANSON, H. W. História da arte. Lisboa: Gulbenkian, 2005

SILVA, Patrícia Barbosa da. O (pré) conceito de idade média. Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiag/conceito-idade-media.htm, acesso em: 25.06.2010.


























[3] Derivado da palavra grega háiresis - que significa escolha -, o conceito de heresia tomou uma conotação negativa com o advento do Cristianismo, passando a significar uma rejeição ao próprio ensino apostólico. Ou seja, sob a ótica cristã, mais do que uma opinião divergente, a heresia é algo que traz em seu bojo uma afronta direta à doutrina oficial da Igreja.

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