domingo, 4 de agosto de 2013

Arte e sociedade

Arte e Sociedade

António Pinto Ribeiro ontem no Ípsilon dedica um artigo a dizer o óbvio: que um artista não é necessariamente contestatário ou de esquerda. Isso é só e evidentemente um preconceito: como ele próprio inventaria, há artistas de todas as sensibilidades que fazem arte de intervenção, que não a fazem mas intervêm politicamente enquanto cidadãos, que são conservadores, de direita, etc.
É útil sublinhar isto, porque o preconceito existe; mas não chega fazê-lo. Se há esta variedade toda e se a sociedade a suporta é em grande medida porque tem os seus usos, nomeadamente monumentalizar diferentes interesses, ideologias ou identidades, representando-as dentro do discurso público.
Naturalmente, mesmo esta ideia do papel da arte na sociedade é apenas uma entre muitas. Poderia contrapôr-se-lhe a ideia que a arte só se representa a si mesma (que é autónoma). Mas esta discussão não é particularmente interessante porque é parcial. Qualquer artista (ou comissário ou crítico), (acredite ou não na autonomia da arte), se produz em público, se o seu trabalho é conhecido, mesmo que por uma minoria, inscreve-se em estruturas institucionais (escolas, museus, galerias, mas também estilos e modelos de remuneração). E é isso que, dentro de um discurso de esquerda, importa perceber. Não se trata de discutir facturas, estruturas hierárquicas e financiamentos esquecendo a experiência estética, mas de perceber que a experiência estética não só é gerada por este contexto institucional como ajuda a criá-lo e a legitimá-lo.
Dentro da arte e da cultura são perfeitamente visíveis os mesmos movimentos de precarização do trabalho, de celebração da desigualdade e de privatização que ocorrem na sociedade geral. Só isso chegaria para demonstrar que não há – nem pode haver – autonomia. Quando muito tem-se uma cultura a tentar distanciar-se de modos de ligação à sociedade que já não interessam tanto, que se desactualizaram.
Interessa perceber esses mecanismos que ligam a arte à sociedade. Por aqui, importaria perceber porque é o nosso discurso crítico é tão compartimentado, separando sistematicamente o discurso sobre objectos e eventos (recensões), do discurso sobre o artista (entrevistas), do discurso de comentário político e institucional (as crónicas) visíveis no próprio Ipsilon. Esta compartimentação não resulta da autonomia a priori destas categorias entre si, mas antes a enuncia e legítima no momento em que é feita.

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